A Justiça da Bahia condenou três empresas pela contaminação causada pela antiga produção de ligas de chumbo em Santo Amaro e determinou o pagamento de indenizações às vítimas, além da reparação da área poluída.
A sentença, assinada no dia 4 de novembro, pela juíza Emília Gondim Teixeira, da Vara de Relações de Consumo, Cíveis e Comerciais do município, acolheu os pedidos da associação que representa os moradores afetados. A informação é da reportagem é de Carlos Madeiro, do UOL.
O projeto industrial foi abandonado há 32 anos, mas o impacto permanece. A magistrada afirmou que o município se transformou em um “repositório tóxico”, resultado do descarte irregular de 491 toneladas de escória de chumbo e 250 toneladas de cádmio. A antiga fábrica vendeu cerca de 900 mil toneladas de liga de chumbo e faturou US$ 450 milhões (R$ 5,4 bilhões) durante sua operação.
A decisão reconheceu que a contaminação provocou a “poluição do ar, solo e águas, com a consequente contaminação de alimentos, animais e pessoas”. Estima-se que 1.200 famílias vivam hoje a menos de 500 metros da área onde funcionava a fundição, integrando a chamada rota de exposição.
De acordo com a matéria, consta, nos autos do processo, um “quadro epidêmico de intoxicação por chumbo em crianças da periferia da fundição”. A sentença ainda destacou que o caso configura racismo ambiental, já que a comunidade atingida é majoritariamente negra. “Os índices de contaminação por chumbo e cádmio atingiram de forma mais intensa pessoas e, especialmente, crianças negras”, diz a decisão.
Empresas condenadas recorreram
O dano ambiental foi atribuído à operação da Companhia Brasileira de Chumbo (Cobrac), que atuou entre 1960 e 1993 e foi posteriormente sucedida por Trevisa Investimentos S.A., Yara Brasil Fertilizantes S.A. e Plumbum Comércio e Representações de Produtos Minerais e Industriais Ltda. As três foram condenadas a responder pelos prejuízos ambientais e humanos.
As empresas apresentaram embargos de declaração e alegaram que a associação autora não teria legitimidade para mover a ação. Sustentaram também que não poderiam ser responsabilizadas por não terem atuado diretamente na produção de chumbo. Argumentaram ainda que a Justiça do Trabalho deveria julgar o caso, que haveria prescrição e que não existiriam provas suficientes do dano.
Duas empresas afirmaram ser apenas “herdeiras” da Cobrac. A Plumbum disse ter iniciado atividades no município apenas em 1989, enquanto a Yara alegou que só adquiriu a Adubos Trevo — ligada à operação — em 2000, sete anos após o encerramento da fundição.
“Irresponsabilidade organizada”, diz juíza
A juíza Emília Gondim reconheceu a responsabilidade objetiva e solidária das empresas com base na teoria do risco integral, que atribui às sucessoras o dever de reparar danos ambientais. Ela citou o conceito de “irresponsabilidade organizada”, caracterizado pelo uso de estruturas societárias e contratuais para evitar responsabilização.
A sentença destacou que as empresas se beneficiaram financeiramente da atividade poluidora e, portanto, devem arcar com os custos ambientais e sociais. Também rejeitou o argumento de prescrição, ressaltando que o dano é permanente e segue afetando gerações futuras — entendimento alinhado ao Supremo Tribunal Federal, que estabelece que ações de reparação ambiental difusa não prescrevem.
Contaminação antiga e persistente
A poluição já era identificada enquanto a Cobrac operava. A fundição emitia partículas tóxicas pela chaminé, que se depositavam em cercas, quintais e áreas públicas. Dióxido de enxofre também era liberado continuamente.
Em 1980, exames em 693 crianças revelaram que 173 (25%) apresentavam intoxicação por chumbo. Sessenta e duas precisaram de tratamento imediato.
Indenizações de até R$ 220 mil
A sentença fixou indenizações de R$ 100 mil para moradores da rota de exposição. Para quem desenvolveu doenças listadas pelo Ministério da Saúde, o valor sobe para R$ 180 mil, com acréscimo de 25% caso a contaminação tenha ocorrido na infância. Para familiares de vítimas fatais, a indenização é de R$ 220 mil.
O dano moral coletivo foi reconhecido pela violação do direito à informação. A juíza observou que a escória contaminada era distribuída gratuitamente à população para pavimentação de quintais, jardins e ruas, sem qualquer alerta. “Era fornecida gratuitamente […] e foi amplamente utilizada pelos moradores”, afirma a decisão.
Todos os moradores de áreas urbanas comprovadamente contaminadas também receberão indenização de R$ 30 mil. Pessoas negras que se autodeclararem assim terão acréscimo de 25% devido ao reconhecimento do racismo ambiental.
A decisão determina ainda a remoção de toda a escória tóxica em um raio de 5 km da antiga fábrica e a criação de um fundo coletivo de R$ 5 milhões para projetos de educação, cultura e desenvolvimento profissional de crianças e adolescentes de Santo Amaro.
